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domingo, 23 de setembro de 2012

A CAPITALIZAÇÃO DE JUROS E LEI 11.977/09 – PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA (A prática do anatocismo no PMCMV)


Uma análise do ponto de vista da Matemática Financeira, comparativa e elucidativa sobre a existência de capitalização composta de juros nos Sistemas de Amortização de Financiamentos e Empréstimos sugeridos e apresentados na Lei nº 11.977 de 07 de julho de 2009  - Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV.

Anísio Costa Castelo Branco
CRA/SP 66.199



Introdução

A polêmica principal do PMCMV no que diz respeito às questões financeiras, tem sua origem nos seguintes artigos, a saber:

Art. 15-A. É permitida a pactuação de capitalização de juros com periodicidade mensal nas operações realizadas pelas entidades integrantes do Sistema Financeiro da Habitação – SFH.

Art. 15-B. Nas operações de empréstimo ou financiamento realizadas por intuições integrantes do Sistema financeiro da Habitação que prevejam pagamentos por meio de prestações periódicas, os sistemas de amortização do saldo devedor poderão ser livremente pactuados com contrato, não podendo resultar em valor diferente ao do empréstimo ou do financiamento concedido.

§ 3º Nas operações de empréstimos ou financiamento que dispõe o caput é obrigatório o oferecimento ao mutuário do Sistema de Amortização Constante – SAC e de, no mínimo, outro sistema de amortização que atenda o disposto nos §§ 1º 2 2º, entre eles o Sistema de Amortização Crescente – SACRE e o Sistema Francês de Amortização (Tabela Price).

Portanto, neste trabalho estaremos elucidando as questões polêmicas e comuns nos contratos de financiamento no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação – SFH, sempre respaldados por fundamentos matemáticos e suas devidas comprovações através de demonstrações práticas e exemplos didáticos.

1º QUESTÃO - O que exatamente estuda a Matemática Financeira e por quê temos que entende-la?
Vejamos o escreveram alguns autores do tema:

ü     A matemática financeira trata, em essência, do estudo do valor do dinheiro ao longo do tempo. (ASSAF NETO, Alexandre. Matemática financeira e suas aplicações. 10ª edição – São Paulo: Atlas, 2008.)

ü     A matemática financeira tem como objetivo principal estudar o valor do dinheiro em função do tempo. (CASTELO BRANCO, Anísio Costa. Matemática financeira aplicada: método algébrico, HP-12C, Microsoft Excel – 2ª edição rev. São Paulo: Cengage Learnig, 2008.)

ü     A matemática financeira tem como objetivo básico estudar a evolução do valor do dinheiro no tempo. (SHINODA, Carlos. Matemática financeira para usuários do Excel – São Paulo: Atlas, 1998.)

Este conceito aparentemente simples possui vários detalhes a serem observados quanto à forma de estudo e aplicação. Neste trabalho, o leitor terá todas as condições de verificar e entender sobre as alternativas para atualizar ou corrigir de um capital, principalmente no PMCMV.

2º QUESTÃO: O que significa juros em Matemática Financeira?

É o aluguel do dinheiro. Em outras palavras, é a remuneração obtida a partir do capital de terceiros, então quando estamos tomando dinheiro emprestado em uma instituição financeira ou financiamos um imóvel, por exemplo, na verdade estamos de fato assinando um contrato de aluguel de dinheiro em função da contratação de uma operação financeira, por um período tempo determinado.

Esta remuneração pode ocorrer a partir de dois pontos de vista:

§         de quem pagar: neste caso, o juro pode ser chamado de despesa financeira, custo, prejuízo, etc.

§         de quem recebe:  podemos entendem como sendo; rendimento, receita financeira,  ganho, etc.

O financiamento do PMCMV é feito pelos recursos do FTGS e da POUPANÇA, portanto, nosso próprio dinheiro, neste caso,  bancos e demais instituições autorizadas a operar no PMCMV são considerados agentes financeiros, ou simplesmente repassadores de recursos.

3ª QUESTÃO: O que exatamente significa a expressão capitalização de juros em matemática financeira?

Em matemática financeira, a expressão capitalização de juros, encontra-se diretamente ligado aos sistemas ou métodos de cálculos, assim definido.
 “são sistemas de capitalização de juros, os métodos pelos quais os capitais são remunerados”.

No Art. 15-A do PMCMV, foi usada a expressão “capitalização de juros”, o que tem gerado uma grande confusão no mercado, pois muitos entendem que juros capitalizados ou capitalização de juros são o mesmo que juros compostos ou tabela price, porém, outros já entendem como sendo o mesmo que anatocismo ou simplesmente juros sobre juros e assim por diante. Nosso objetivo é demonstrar o que realmente significa a expressão capitalização de juros do ponto de vista da matemática financeira, ou seja, vamos esclarecer de uma vez por todas, os desencontros de informações que ocorrem entre as posições da ciência jurídica e a ciência da matemática financeira.

Os sistemas de capitalização de juros podem sem classificados em:

a)    Sistema de Capitalização Simples (SCS);
b)    Sistema de Capitalização Composto (SCC).

4ª QUESTÃO: O que são Sistemas de Capitalização Simples (SCS)?

O Sistema de capitalização simples se baseia nos conceitos dos cálculos lineares, como por exemplo: 2 x 3 = 2 + 2 + 2 = 6, ou seja, a soma dos termos são iguais ao produto, consiste no método de cálculo onde os juros são calculados sempre com base no mesmo capital inicial (aplicação, empréstimo ou financiamento), como fosse uma progressão aritmética (PA), ou seja, os juros crescem de forma linear ao longo do tempo.

A base teórica do Sistema de Capitalização Simples (SCS), leva em consideração os estudos e teorias de Johann Carl Friedrich Gauss (1777-1855), matemático alemão, considerado por muitos como maior gênio da história da matemática. Portanto, não seria nenhum exagero chamar o Sistema de Capitalização Simples (SCS), de método de Gauss.

Vejamos um exemplo didático:

Seja um capital de R$ 100.000,00 aplicado a uma taxa de 1,00% ao mês, durante 3 meses. Qual o valor acumulado no final de cada período pelo Sistema de Capitalização Simples (SCS)?

Sistema Capitalização Simples (SCS) ou sistema linear ou método de Gauss

n
Capital
(C)
Juros de cada período
(J = C.i)
Valor Acumulado ou Montante
(M=C+J)
1
R$ 100.000,00
R$ 100.000,00 x 1% = R$ 1.000,00
R$ 100.000,00 + R$  1.000,00 = R$ 101.000,00
2
R$ 100.000,00
R$ 100.000,00 x 1% = R$ 1.000,00
R$ 101.000,00 + R$  1.000,00 = R$ 102.000,00
3
R$ 100.000,00
R$ 100.000,00 x 1% = R$ 1.000,00
R$ 102.000,00 + R$  1.000,00 = R$ 103.000,00
Onde: C = capital, J = juros, i = taxa de juros e M = montante.

Assim sendo, para encontramos o montante (M) de pelo Sistema de Capitalização Simples (SCS), podemos fazer a partir do seguinte fórmula básica: M=C(1+i.n), onde: M =montante, C=capital, i = taxa de juros e n = períodos.

NOTA: para usarmos a fórmula básica, devemos trabalhar com taxa de forma decimal (1%/100 = 0,01)


Comprovação do conceito, através da fórmula básica.

M=C(1+i.n)
M1     =100.000 (1+0,01 x 1)            = R$ 101.000,00
M2     =100.000 (1+0,01 x 2)            = R$ 102.000,00
M3     =100.000 (1+0,01 x 3)            = R$ 103.000,00
M12   =100.000 (1+0,01 x 12)          = R$ 112.000,00
M360 =100.000 (1+0,01 x 360)        = R$ 460.000,00

Se aplicarmos R$ 100.000,00 por 360 meses, teremos um montante de R$ 460.000,00, ou seja, são R$ 1.000,00 por 360 meses mais o capital emprestado.


5ª QUESTÃO: O que são Sistemas de Capitalização Compostos (SCS)?

O Sistema de capitalização composto se baseia nos conceitos dos cálculos exponeciais, como por exemplo: 23 = 2 x 2 x 2 = 8, portanto, consiste no método de cálculo onde os juros calculados a cada período, são somados ao capital, formando o montante (C+J) do período. Este montante (C+J), por sua vez, será base para o cálculo dos juros (J) do período seguinte, formando assim um novo montante (C+J) e assim por diante. Neste método os juros crescem de forma exponencial.

Tal prática é conhecida como Juros Compostos, ou simplesmente juros sobre juros. No Brasil, a justiça usa o termo anatocismo para fazer referência ao método dos juros compostos, sua proibição é apontada na Lei da Usura, Decreto 22.626 de 07 de abril de 1933 – Art. 4º. E proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano. E ainda temos na Súmula 121, do Supremo Tribunal Federal “É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionadas

A base teórica do Sistema de Capitalização Composto (SCC), leva em consideração os conceitos fundamentais dos cálculos exponenciais, fundamentado nas pesquisas de modelos estatísticos de Richard Price (1723-1791), para o ramo de seguros. A partir destas pesquisas, em 1771, Price publica sua obra final sobre o assunto, apresenta suas tabelas de mortalidade, onde o objetivo principal seria atender o ramo de seguros privados.

Tomando como base os dados do exemplo didático apresentado na 4ª questão, temos a seguinte aplicação prática:

Sistema de Capitalização Composto (SCC) ou sistema exponencial ou método da Tabela Price

n
Capital
(C)
Juros de cada período
(J = C.i)
Valor Acumulado ou Montante
(M=C+J)
1
R$ 100.000,00
R$ 100.000,00 x 1% = R$ 1.000,00
R$ 100.000,00 + R$  1.000,00 = R$ 101.000,00
2
R$ 101.000,00
R$ 100.000,00 x 1% = R$ 1.010,00
R$ 101.000,00 + R$  1.010,00 = R$ 102.010,00
3
R$ 102.010,00
R$ 100.000,00 x 1% = R$ 1.020,10
R$ 102.000,00 + R$  1.000,00 = R$ 103.030,10
Onde: C = capital, J = juros, i = taxa de juros e M = montante.

Assim sendo, para encontramos o montante (M) de pelo Sistema de Capitalização Composto (SCC), podemos fazer a partir do seguinte fórmula básica: M=C(1+i)n, onde: M = montante, C=capital, i=taxa de juros e n=períodos.

NOTA: para usarmos a fórmula básica, devemos trabalhar com taxa de forma decimal (1%/100 = 0,01)

Comprovação do conceito, através da fórmula básica.
M=C(1+i)n
M1     =100.000 (1,01)1          = R$           101.000,00
M2     =100.000 (1,01)2           = R$           102.010,00
M3     =100.000 (1,01)3          = R$           103.030,10
M12   =100.000 (1,01)12         = R$           112.682,50
M360 =100.000 (1,01)360         = R$       3.594.964,13

Se aplicarmos R$ 100.000,00 por 360 meses, teremos um montante de R$ 3.594.964,13, ou seja, são R$ 1,01360meses multiplicado pelo capital emprestado.

No PMCMV, foi dada a possibilidade de aplicação de juros compostos, através do Sistema de Amortização Francês (Tabela Price) e Sistema de Amortização (SAC), que explicaremos na questão a seguir.

5ª QUESTÃO: O que são Sistemas de Amortização a Juros Compostos?

São sistemas de amortização de juros de forma periódica, construídos a partir dos conceitos dos cálculos exponenciais e com base nos dados das 4ª e 5ª questões, vamos exemplificar:

a)    Sistema de Amortização Francês (SFA) – Tabela Price

Valor Financiado: R$ 100.000,00 i = 1% ao mês e n = 12 meses

n
Saldo Devedor
Amortização
Juros
Prestação
Prestação Atualizada
1% a.m.
0
100.000,00
0,00
0,00
0,00

1
92.115,12
7.884,88
1.000,00
8.884,88
9.912,58
2
84.151,39
7.963,73
921,15
8.884,88
9.814,43
3
76.108,02
8.043,36
841,51
8.884,88
9.717,26
4
67.984,22
8.123,80
761,08
8.884,88
9.621,05
5
59.779,18
8.205,04
679,84
8.884,88
9.525,79
6
51.492,09
8.287,09
597,79
8.884,88
9.431,48
7
43.122,13
8.369,96
514,92
8.884,88
9.338,10
8
34.668,47
8.453,66
431,22
8.884,88
9.245,64
9
26.130,27
8.538,19
346,68
8.884,88
9.154,10
10
17.506,69
8.623,58
261,30
8.884,88
9.063,46
11
8.796,88
8.709,81
175,07
8.884,88
8.973,73
12
0,00
8.796,91
87,97
8.884,88
8.884,88

Totais
100.000,00
6.618,55
106.618,55
112.682,50
Se aplicarmos a fórmula básica dos juros compostos:  M=C(1+i)n , M=100.000(1,01)12 onde M=R$ 112.682,50

Neste exemplo fica evidenciada a prática dos juros compostos no Sistema de Amortização Francês (SFA, também conhecido com Tabela Price.

b)    Sistema de Amortização Constante (SAC)

c)    Valor Financiado: R$ 100.000,00 i = 1% ao mês e n = 12 meses

n
Saldo Devedor
Amortização
Juros
Prestação
Prestação Atualizada
1% a.m.
0
100.000,00
0,00
0,00
0,00

1
91.666,67
8.333,33
1.000,00
9.333,33
10.412,90
2
83.333,33
8.333,33
916,67
9.250,00
10.217,75
3
75.000,00
8.333,33
833,33
9.166,66
10.025,45
4
66.666,67
8.333,33
750,00
9.083,33
9.835,95
5
58.333,33
8.333,33
666,67
9.000,00
9.649,22
6
50.000,00
8.333,33
583,33
8.916,67
9.465,22
7
41.666,67
8.333,33
500,00
8.833,33
9.283,92
8
33.333,33
8.333,33
416,67
8.750,00
9.105,29
9
25.000,00
8.333,33
333,33
8.666,67
8.929,28
10
16.666,67
8.333,33
250,00
8.583,33
8.755,86
11
8.334,33
8.333,33
166,67
8.500,00
8.585,00
12
0,00
8.333,33
83,33
8.416,67
8.416,67

Totais
100.000,00
6.500,00
106.618,55
112.682,50

Como é possível perceber, o valor das prestações calculadas pelo Sistema de Amortização Constante (SAC), quando atualizadas para o final do financiamento (após 12 meses) teremos o valor R$ 112.682,50, exatamente igual ao valor das prestações calculadas pelo Sistema de Amortização Francês (SFA) – Tabela Price, quando também atualizadas para o final do financiamento, lembrando que as atualizações em ambos os casos, ocorreram pela de 1% ao mês.

Portanto, podemos afirmar com total segurança que método da Tabela Price é equivalente ao método SAC, e que ambos contemplam a prática dos juros compostos e consequentemente do anatocismo.

Lembrando os Sistemas de Amortização a Juros Compostos – Tabela Price e Sistema Amortização Constante – SAC, contam do Art. 15-B, §3o como sistemas de amortização estão apresentados para PMCMV, além do sistema SACRE inventado pela Caixa Econômica Federal (CAIXA).

Diante desta situação não podemos ficar sem questionar o que deveria considerado como obvio e fazer alguns questionamentos diretos e objetivos:

i.                   Como podemos aceitar que o Governo Federal financie nossos próprios imóveis, com nosso próprio dinheiro (FGTS/POPANÇA)  através de um Sistema de Amortização a Juros Compostos perverso?
ii.                 Se a Tabela Price é equivalente ao sistema SAC, e por muitos anos foi considerado como um método mais vantajoso para o mutuário, não se trata de propaganda enganosa?
iii.               Será que estamos fadados a ter que engolir este tipo de prática?
iv.               Se em nosso ordenamento jurídico, já consta previsão de ilegalidade sobre a Tabela Price, por quê os bancos continuam praticando tal procedimento?

6ª QUESTÃO: Existe outro sistema que possa atender o PMCMV?

Sim, Temos o Sistema de Amortização a Juros Simples, que tem sua base teórica nos cálculos lineares, vejamos como seria uma aplicação com os mesmos dados do aplicados a Price e SAC.

a)    Sistema de Amortização a Juros Simples (método de Gauss)

Valor Financiado: R$ 100.000,00 i = 1% ao mês e n = 12 meses

n
Saldo Devedor
Amortização
Juros
Prestação
Prestação Atualizada
1% a.m.
0
100.000,00
0,00
0,00
0,00
0,00
1
94.101,11
7.898,89
947,87
8.846,76
9.819,90
2
84.123,22
7.977,88
868,88
8.846,76
9.731,44
3
76.066,35
8.056,87
789,89
8.846,76
9.642,97
4
67.930,49
8.135,86
710,90
8.846,76
9.554,50
5
59.715,64
8.214,85
631,91
8.846,76
9.466,03
6
51.421,80
8.293,84
552,92
8.846,76
9.377,57
7
43.048,97
8.372,83
473,93
8.846,76
9.289,10
8
34.597,16
8.451,82
394,94
8.846,76
9.200,63
9
26.066,35
8.530,81
315,96
8.846,76
9.112,16
10
17.456,56
8.609,79
236,97
8.846,76
9.023,70
11
8.767,77
8.688,78
157,98
8.846,76
8.935,23
12
0,00
8.767,77
78,99
8.846,76
8.846,78

Totais
100.000,00
6.618,55
106.161,12
112.000,00

Em 12 meses, parece ser muito pequena diferença entre os Sistemas, portanto, vamos fazer uma evolução para 360 meses, neste caso, trataremos o método da Tabela Price e o Sistema SAC como iguais, pois já provamos sua equivalência a juros compostos.



CONCLUSÃO TÉCNICAS, RECOMENDAÇÕES E OBSERVAÇÕES

Concluímos nosso trabalho para uma realidade triste e lamentável, a saber:

Identificamos e comprovamos a existência de juros compostos (juros sobre juros) pelo uso da tabela price através do Sistema Francês de Amortização (SFA) e no Sistema de Amortização Constante (SAC), pois verificamos a equivalência entres os métodos e assim sendo, a evidencia da prática de anatocismo.

Nossa recomendação é para que nos programas habitacionais para famílias de até 3 (três) salários mínimos, devem ser financiado com recursos públicos, dos orçamentos dos governos, adotando-se como método, o Sistema de Amortização a Juros Simples, apresentado neste trabalho, pois estamos tratando de um projetos social de habitação e não de um simples financiamento imobiliário.

Nosso posicionamento como professor de Matemática Financeira e também como cidadão, é pela exclusão da Tabela Price e demais sistemas semelhantes da Lei 11.977/09 – Programa do Governo Federal Minha Casa, Minha Vida, por se tratar de prática perversa e danosa contra aqueles que não possuem o conhecimento básico e fundamental para entender os efeitos malignos contido nos métodos de cálculos que contemplam os fundamentos dos juros compostos. Deixar aplicar a Tabela Price em financiamento imobiliário é no mínimo um ato de irresponsabilidade do Governo Federal e dos políticos que aprovaram o PMCMV.

São Paulo (SP), 15 de novembro de 2009.


Anísio Costa Castelo Branco
CRA/SP 66.199

Abusividade de cláusula contratual inserida em plano de seguro saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado (MP)


Súmula 302 do STJ.[1][1]

I – Da abusividade de cláusula contratual inserida em plano de seguro saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado.

A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça põe fim ao longo debate em torno de cláusulas, havidas em planos de seguro saúde, firmados anteriormente a Lei 9.656/98 , muitos dos quais limitavam o tempo de internação hospitalar.

Não é demais lembrar que a LPS (art. 12, II, alíneas a e b)  que regula os planos de saúde tem como uma de suas características a cobertura hospitalar e na esteira dos esclarecimentos trazidos pela própria Agência reguladora dispõe: “Plano Hospitalar: Compreende os atendimentos realizados durante a internação hospitalar.”  E dentre as coberturas proporcionadas está  “aquelas previstas na legislação e no Rol de Procedimentos Médicos para o segmento hospitalar (sem obstetrícia), incluindo, entre outras:  - Internações em unidades hospitalares, inclusive em UTI / CTI, sem limitação de prazo, valor máximo e quantidade;”.

De fato não era sem tempo que o STJ sumulasse o tema, pois muitos dos consumidores  se viam em dificuldades quando necessitassem de internações hospitalares longas, mas necessárias.

Na verdade, o debate se tornou mais longo e porque não dizer desnecessário, exclusivamente pela falta de compreensão de muitas seguradoras no que diz respeito ao seu papel enquanto fornecedora de serviço de relevância notória.

Aliás, é preciso lembrar que muito antes da edição da LPS os contratos de seguro saúde estavam regidos pelo Código de Defesa do Consumidor, que no seu artigo 51, IV reputa como nula cláusula que estabeleçam obrigações iníquas, abusivas  e que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou que sejam incompatíveis com a boa-fé ou equidade.

Memorável  é a lição que se extrai da seguinte ementa:

Plano de SaúdeLimite temporal da internaçãoCláusula abusiva.
  1. É abusiva a cláusula que limita no tempo a internação do segurado, o qual prorroga sua presença em unidade de tratamento intensivo ou é novamente internado em decorrência do mesmo fato médico, fruto de complicações da doença, coberto pelo plano de saúde.

  2. O consumidor não é o senhor do prazo de sua recuperação, que, como é curial, depende de muitos fatores, que nem mesmo os médicos são capazes de controlar. Se a enfermidade está coberta pelo seguro, não é possível, sob pena de grave abuso, impor ao segurado que se retire da unidade de tratamento intensivo, com risco severo de morte, porque está fora do limite temporal estabelecido em determinada cláusula. Não pode a estipulação contratual ofender o princípio da razoabilidade e se o faz comete abusividade vedada pelo artigo 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor. Anote-se que a regra protetiva, expressamente, refere-se a uma desvantagem exagerada do consumidor e, ainda, a obrigações incompatíveis com a boa-fé e a equidade.”[2][2]
Leve-se em conta que a aplicação do CDC aos contratos firmados antes ou depois da LPS, sempre foi reconhecida de modo flagrante, salvo por operadoras desprovidas do seu papel ou da função da social que cercam os contratos.

A propósito lembremos que recentemente as operadoras de planos de saúde pretenderam subverter esse entendimento, por ocasião dos reajustes anuais de planos firmados antes da edição da LPS, calcadas em recente decisão do Supremo Tribunal Federal a respeito da plena aplicação do referido estatuto aos contratos antigos.

Pontuamos, apenas para relembrar, a lição de Antonio Rizzatto Nunes a respeito da situação, especialmente frente à decisão do STF que decidiu pela inconstitucionalidade do artigo 35-E da Lei 9.656/98.

Confira-se:“a) decisão recente do STF não alterou o quadro de defesa dos direitos dos consumidoresusuários dos planos privados de assistência à saúde: b) o CDC regula as relações jurídicas de consumo, dentre as quais se encontram os contratos ora analisados; c) Todos os contratos assinados antes da entrada em vigor da Lei 9.565/98 estão submetidos à égide do CDC; d) nenhuma cláusula abusiva escrita antes ou depois da vigência do CDC tem validade, podendo tanto a ANS atuar para coibir abusos, como os órgãos de defesa do consumidor e o consumidor individualmente diante do Poder Judiciário.[3][3]

II  Os contratos de planos de saúde  e a nova  teoria contratual.

Compreenda-se que  os contratos de planos de saúde podem ser  tomados como contratos cativos de longa duração, também chamados relacionais ou de serviços contínuos.
                           
Isso porque, em contraposição aos denominados contratos descontínuos (v.g. compra e venda), caracterizados pela  transação instantânea, completa, rápidaimpessoal; os contratos relacionais criam relações jurídicas complexas, na qual o consumidor mantém relação de dependência  com o fornecedor (v.g. seguros em geral, previdência privada, instituições financeiras e seguro-saúde).

Essas relações de longa duração, especialmente as derivadas da prestação de serviços, multiplicam-se no mercado brasileiro e é alvo de estatísticas, cujos resultados são por demais preocupantes, na medida em que desdobram o número de lides que chegam às portas dos Tribunais em todo país.[4][4]

O sinal estatístico no aumento progressivo dos conflitos de consumo revela o anseio do novo pensamento jurídico em dar tratamento adequado às relações contratuais de longa duração, especialmente quando  envolvem serviços que possuem indiscutível importância, notadamente os  fornecidos por entidades prestadoras de serviços de saúde ou de seguro-saúde.

Ressalte-se, ainda que simplesmente sob a ótica quantitativa, que no ano de 2004 as operadoras de serviços de saúde estão envolvidas com mais de 35 milhões de consumidores.[5][5]

Essa nova realidade contratual não visa afastar os instrumentos tradicionais do direito, mas serve de base ao intérprete para que dar respostas mais claras e eqüitativas aos conflitos atuais.

Sobre isso escreveu Cláudia Lima Marques, calcando-se na experiência havida no direito comparado: “Observe-se que o realismo norte-americano denominou de contratos ‘relacionais’ (relational contracts), destacando os elementos sociológicos que condicionam o nascimento e a estabilidade dos contratos complexos de longa duração. A contribuição desses estudos, que remontam a 1974, foi grande, pois, observando-se as relaçõesnão contratuais’ , as projeções de troca dos empresários e a sua organização em networks, baseadas mais na confiança, solidariedade e cooperação no que em vínculos contratuais expressos, desenvolveu a noção de um contrato aberto, de uma relação contínua, duradoura ao mesmo tempo em que modificável pelos usos e costumes ali desenvolvidos e pelas atuais necessidades das partes. (...) Sendo assim, a mais importante contribuição destes estudos à nova teoria contratual brasileira é a criação de um modelo teórico contínuo que engloba as constantes renegociações e as novas promessas, bem destacando que a situação externa e interna de catividade e interdependência dos contratantes faz com que as revisões, novações ou renegociações contratuais naturalmente continuem ou perenizem a relação de consumo, não podendo estas, porém, autorizar abusos da posição contratual dominante e validar prejuízos sem causa ao contratante mais fraco ou superar deveres de cooperação, solidariedade e lealdade que integram a relação em toda a sua duração[6][6] (grifo não original).

Com a mesma agudeza Ronaldo Porto Macedo Júnior, na sua obraContratos relacionais e defesa do consumidor”, sugere que o modelo relacional recomenda a revalorização dos princípios da boa-fé, justiça e equilíbrio contratual, pois potencializam o reconhecimento das circunstâncias fáticas concretas, permitindo ao intérprete examinar o contrato não simplesmente como um padrão fixo de aplicação inexorável.

Vejamos sua proposta: “Por outro lado, o modelo relacional tem também um caráter normativo e prescritivo. Assim é que ele recomenda uma revalorização e ampliação do uso do princípio da boa-fé, justiça e equilíbrio contratual como princípios capazes de orientar os agentes contratuais e operadores do direito na direção do reconhecimento das circunstâncias fáticas concretas. A boa-fé serve como princípio mediador entre o formalismo do direito e o reconhecimento da plasticidade das relações e funções econômicas de troca e pressupostos de racionalidade e premissas valorativas. Por outro lado, o reconhecimento da natureza relacional dos contratos aponta para a importância dos princípios de cooperação e solidariedade[7][7].

Mais à frente, ao abordar as regras de interpretação oferecidas pela teoria relacional, anota: “Dentre os teóricos relacionais, um grupo acredita que os juízes devem ser guiados por normas que transcendem a relação. Eles devem ser guiados pelo sentido daquilo que a sociedade entende por justo, distributivamente justo e adequadamente participatório. Um segundo grupo argumenta que os juízes devem derivar as regras das ‘normas internas da relação’ e proteger as expectativas geradas. (...) É certo que, ao contrário da teoria clássica, a teoria relacional não oferece regras simples e seguras para a interpretação contratual. Um primeiro passo seria o reconhecimento de que os contratos relacionais devem ser interpretados a partir da percepção de que as partes estão na relação. Por outro lado, os juízes não podem ignorar que, além dos valores internos da relação, há valores sociais, externos aos contratos, como as idéias de equilíbrio e justiça distributiva[8][8].

Sob a luz dessas perspectivas afirmamos que os planos de saúde são contratos relacionais ou contratos cativos de longa duração, pois envolvem fornecedor e consumidor numa finalidade comum, que é o de assegurar para o consumidor o tratamento e também o de ajudá-lo a suportar os riscos futuros envolvendo a saúde deste e de seus familiares.

Assim sendo, invoca-se a aplicação dos princípios norteadores na interpretação dos contratos relacionais, especialmente, o da boa-fé, equidade, solidariedade e cooperação.
        
Confira-se: “Os contratos de planos de assistência à saúde são contratos de cooperação, regulados pela Lei 9.656/98 e pelo Código de Defesa do Consumidor, onde a solidariedade deve estar presente, não enquanto mutualidade (típica dos contratos de seguros, que não mais são, ex vi a nova definição legal comoplanos’), mas enquanto cooperação com os consumidores, enquanto divisão paradigmática-objetiva e não subjetiva por sinistralidade, enquanto cooperação para a manutenção dos vínculos  e do sistema suplementar de saúde, enquanto possibilidade de acesso ao sistema e de contratar, enquanto organização do sistema possibilitar a realização das expectativas legítimas do contratante mais fraco.... Aqui está presente o elemento moral, imposto ex vi lege pelo princípio da boa-fé, pois a solidariedade envolve a idéia de confiança e cooperação. Confiar é ter a ‘expectativa mútua, de que’, em um contrato, ‘nenhuma parte irá explorar a vulnerabilidade da outra’. Em, outras palavras, o legislador  consciente de que este tipo contratual é novo, dura no tempo, que os consumidores todos são cativos e que alguns consumidores, os idosos, são mais vulneráveis do que os outros, impõe solidariedade na doença e na idade e regula de forma especial as relações contratuais e as práticas comerciais dos fornecedores...[9][9].

III – Conclusão

O contrato de seguro saúde ou planos privados de saúde representam contratos de longa duração e envolvem fornecedores e consumidores numa mesma finalidade, qual seja a de assegurar os consumidores e seus familiares de tal sorte a ajudá-los a suportarem os riscos envolvendo a saúde.

                             
Não se abandonam, evidentemente, os institutos clássicos que cercam os contratos em geral, desde que os mesmos sirvam de suporte aos contratantes para que alcancem a finalidade comum.

A base de muitos debates em torno da limitação de internação hospitalar encontrava-se calcada no antigo dispositivo do Código Civil Brasileiro (art. 1460) que dentre as obrigações do segurador destacava a não responsabilidade deste por outros riscos além dos limites e particularidades previstas na apólice.

Entretanto, é preciso que se compreenda que na interpretação dos contratos releva-se o prestígio à finalidade comum, liame essencial neste tipo de contrato, o que torna injustificável que algumas seguradoras ainda tentem, no caso de contratos antigos, escaparem às suas responsabilidades, sob o pretexto de que a apólice limita o tempo de internação hospitalar.

Verdadeiramente, entre a liberdade de contratardireito indisponível à vida e ao tratamento que lhe garanta, naturalmente releva a opção pelo direito fundamental, exigindo que o Poder Judiciário aplique na interpretação dos contratos antigos a regra prevista na Lei de Introdução ao Código Civil  (art.5º), segundo o qual na aplicação da lei o juiz deve atentar-se aos fins a que ela se destina e conjugá-la aos fins do bem comum.

Bem disse o Ministro Ruy Rosado: “A natureza desse contrato e a especificidade do direito que visa proteger estão a exigir sua compreensão à luz do direito do contratante que vem a necessitar do seguro para o pagamento de despesas que não pode se furtar, como exigência do tratamento de sua saúde..”

E mais à frente, citando a doutrina de Galeno Lacerda (RT 717/117), anota: “o contrato de seguro de saúde  cria um direito absoluto. Estamos em presença, assim, de uma categoria nova de direitos sobre direitos. Nessa espécie prevalece a natureza mais importante”.

Assim, é muito mais do que louvável a decisão do Superior Tribunal de Justiça ao editar a Súmula 302, pois ao temalimitação no tempo de internação hospitalar”  deu o tratamentomuito esperado.


Deborah Pierri
Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo



[1][1] A referida Súmula ainda não publicada, mas se encontra disponível no quadro de notícias do STJ, aprovada juntamente com outras quatro, pela Segunda Seção do STJ, composta pelas Terceira e Quarta Turmas, cujo teor, conforme noticiado, está:  Súmula 302 afirma que "É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado". Com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC), Código Civil (CC/1916) e Recursos Especiais 251.024/SP, 242.550/SP, 158.728/RJ, 402.727/SP, 249.423/SP. As duas últimas Súmulas também tiveram como relator o ministro Pádua Ribeiro.



[2][2] RESP 158.728-RJ, j. 16.03.99,  in  RSTJ, a.11, vol. 121, set. 1999, p. 289 e ss.

[3][3] RDC, no. 49/129 (jan/março 2004), O Código de Defesa do Consumidor e os Planos de Saúde: o que importa saber.

[4][4] Vale lembrar o recente estudo estatístico feito a pedido do Supremo Tribunal Federal sobre o expressivo número de demandas registradas no Judiciário do Rio de Janeiro: “De aproximadamente dois milhões de processos que tramitaram no Judiciário do Rio de Janeiro entre 1º de janeiro de 2002 e abril deste ano, um terço é de ações por danos -- 629.905 em Juizados Especiais e cerca de 40 mil em varas.A Telemar liderou o ranking de 2003 com 80.741 ações. Em segundo lugar ficou a Cerj, com 22.082 processos. Em terceiro, aparece a Light com 13.803 processos. O Banco do Brasil tem 7.062 ações e figura em quarto lugar. E em quinto está o Banco Bradesco -- com 6.634 processos.O relatório mostra que ações ajuizadas em varas cíveis -- acima de 40 salários -- tramitam, em média, por quase três anos até o julgamento nas Câmaras. O valor médio das indenizações foi calculado em R$ 10.207 -- condenações em segunda instância. A Credicard teve 100% de condenações nas Câmaras Cíveis -- a média é de 68%.Ao ser informado dos resultados do levantamento feito pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim, decidiu convocar para reuniões agências reguladoras, o Banco Central e as empresas mais acionadas. A intenção é evitar a enxurrada de processos. Caso contrário, ele pretende sugerir multas pesadas paraclientes preferenciais do sistema judiciário, basicamente na condição de réus”: (Cf. Revista Consultor Jurídico de 2/8/04, sob o título “Os recordistas”).

[5][5] Os dados estão referidos na Revista Época, ed. 05/07/04 e foram fornecidos pelo presidente da ABRANGE – Associação brasileira de medicina de grupo.

[6][6] Contratos no CDC, RT. 4ª ed., p. 82/83

[7][7] Contratos relacionais e defesa do consumidor, Max Limonad, 1998, p. 365.

[8][8] Idem, p. 366/67. Nesse ponto de seu trabalho Ronaldo Porto Macedo Júnior invoca a lição de Hadfield: “a abordagem relacional para a interpretação contratual requer sensibilidade às particularidades de cada relação... Não há regras firmes e rápidas (hard and fast rules)... A interpretação relacional é um exercício de atenção, intuição e juízo sobre o fato específico.” 

[9][9] Cláudia Lima Marques, Contratos no CDC, RT, 4ª ed, p. 417.