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sábado, 17 de novembro de 2012

TJRJ - Construtora, atraso, rescisão e indenização (02)


Ação Indenizatória. Atraso na entrega das chaves. Construção de unidade residencial autônoma. Condomínio Edilício. Empresa construtora que atribuiu aos entraves burocráticos à demora no término das obras. A responsabilidade pela falha na prestação do serviço é objetiva e independe da existência de dolo ou culpa do fornecedor, não se inserindo tais alegações nas hipóteses que excepcionam sua obrigação de indenizar. Eventuais exigências administrativas para execução da obra são previsíveis, tratando-se de risco do empreendimento. Relação jurídica que ostenta indiscutível natureza consumerista. Dano moral devidamente configurado. 

Inegável a grande frustração e abalo emocional experimentado pelo adquirente, diante da demora na entrega do imóvel objeto do contrato. Lucros cessantes devidamente comprovados pelos documentos juntados aos autos, onde se visualiza a frustração do liame locatício previsto para o imóvel. Adoção do recente posicionamento esposado pelo Superior Tribunal de Justiça no Agravo Regimental 1036023. Presunção relativa do prejuízo do promitente comprador pelo atraso na entrega de imóvel pelo promitente-vendedor. Arbitramento dos danos morais em R$5.000,00 (cinco mil reais) e dos lucros cessantes em R$16.900,00 (dezesseis mil e novecentos reais), nos termos dos inúmeros precedentes desta Corte Estadual. Provimento parcial do apelo.

TJRJ, Apelação 0059083-90.2010.8.19.0001, DES. CELSO PERES, DÉCIMA CÂMARA CÍVEL, j. 13/04/2011

Havendo atraso na entrega da obra, construtora deve devolver parcelas pagas pelo comprador (STJ)


O STJ (Superior Tribunal de Justiça) rejeitou o recurso com o qual uma construtora tentava reverter sentença de 2ª instância, que a condenou a devolver todas as parcelas já pagas por um comprador, devido ao atraso na conclusão das obras de suas unidades. No caso, o comprador ajuizou ação de rescisão de contrato de promessa de compra e venda contra a construtora, pedindo a desconstituição do negócio e a devolução de todas as parcelas pagas, acrescidas de juros e multa, atualizadas monetariamente, bem como perdas e danos. Em 1ª instância, o pedido foi julgado procedente. A construtora apelou da sentença. O Tribunal Regional deu parcial provimento somente para afastar da condenação a imposição da multa prevista no artigo 35 da lei 4.591/64, que dispõe sobre condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias.

A construtora recorreu ao STJ, sustentando que a decisão violou o artigo 1.092 do antigo Código Civil, já que, tendo o comprador entendido que a construtora não iria cumprir o contrato dentro do prazo previsto, deveria ter consignado as prestações seguintes, em vez de simplesmente suspender o pagamento das parcelas. Por isso, não se poderia exigir o adimplemento contratual da construtora, pois o comprador não cumpriu a parte dele.

Segundo o STJ, ficou patente que o atraso que já se configurava revelava claramente a inadimplência da construtora, e que a cessação do pagamento pelo comprador era medida defensiva, para evitar prejuízo maior. (REsp 593471)

TJRJ - Construtora, atraso, rescisão e indenização


APELAÇÃO CÍVEL. RESCISÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE CESSÃO DE DIREITO SOBRE IMÓVEL. UNIDADE IMOBILIÁRIA EM CONSTRUÇÃO. INADIMPLÊNCIA DA CONSTRUTORA. DEVOLUÇÃO DAS QUANTIAS PAGAS. LUCROS CESSANTES. 

Deve a devolução das parcelas pagas ser total, não se restringindo ao valor das parcelas de construção como consignado na sentença. Isso porque os gastos com terceiros, que a incorporadora assume, não podem ser imputados ao adquirente que cumpriu sua obrigação contratual e pagou o valor cobrado pelo  imóvel, evitando-se, assim, o enriquecimento indevido da ré, sendo certo, ainda, que a ré pode dispor livremente do imóvel, lucrando com a venda do mesmo, adquirido em razão da sucessão da construtora, cabendo ao adquirente o reembolso da integralidade das parcelas  pagas. Com a inexecução do contrato, além do dano emergente, parece claro que o autor seja merecedor dos lucros cessantes, a título de aluguéis, que poderia o imóvel ter rendido se tivesse sido entregue na data contratada, pois esta seria a situação econômica em que se encontraria se a prestação tivesse sido tempestivamente cumprida. APELAÇÃO 1: PROVIMENTO PARCIAL. APELAÇÃO 2: DESPROVIMENTO.

TJRJ, Apelação 0127831-24.2003.8.19.0001, DES. JORGE LUIZ HABIB, DÉCIMA OITAVA CÂMARA CÍVEL, Julgamento 25/01/2011

Responsabilidade dos vendedores por dívida objeto de ação judicial anterior à venda do imóvel (TJSP)


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 994.04.080109-3, da Comarca de Pirajuí, em que é apelante Carlos Augusto Blassioli sendo apelados Celso José de Souza Barros e Célia Gomes da Silva Barros.

Acordam, em 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. v. u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores Teixeira Leite (Presidente sem voto), Natan Zelinschi de Arruda e Francisco Loureiro.

São Paulo,11 de novembro de 2010.

Fábio Quadros, Relator

VOTO

Compra e venda de imóvel - Indenização por danos materiais - Ação julgada improcedente - Vendedores que afirmaram que o bem estava livre e desembaraçado e sem ações judiciais que pudessem onerá-lo – Condomínio que estava sendo demandado judicialmente quando da efetivação do negócio – Despesas decorrentes de acordo judicial havido em ação indenizatória que incidiram sobre o bem - Responsabilidade do débito que é dos vendedores - Sentença que deve ser reformada - Recurso provido, invertido os ônus sucumbenciais.

A r. sentença de fls. 112/114, proferida pelo Exmo. Sr. Juiz Fábio Correia Bonini, cujo relatório se adota, julgou improcedente a ação indenizatória movida por Carlos Augusto Blassioli em face de Celso José de Souza Barros e Célia Gomes da Silva Barros, condenando o autor no pagamento das custas e despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa.

Inconformado apela o autor (fls. 116/122) pretendendo a reforma integral da r. sentença aduzindo, em síntese, que o pedido está fundamentado no art. 1.109 e ss. do Código Civil (1916) e que para garantir o ressarcimento dos prejuízos não seria lógico e nem lícito perder o bem para somente após ter o direito de fazer a reivindicação com base na evicção consumada e que a presente ação de indenização afigura-se como uma autêntica ação de cobrança e reparação de danos.

Recurso processado e não respondido (fls. 125).

E o relatório.

Pelo que se depreende da petição inicial, embora carecedora de melhor rigor técnico, o apelante pretendeu o ressarcimento das despesas oriundas de acordo judicial havido entre Roberto José Curi e Flora Lúcia Martins Curi e Condomínio Residencial Paissandu nos autos da ação que os primeiros intentaram em face do referido condomínio onde localizado o bem imóvel em questão. Esse aspecto foi ressaltado em suas razões de apelação.

Oportuno anotar que “O nosso direito prestigiou os princípios do ‘jura novit cúria’ e do ‘da mihi factum, dabo tibi jus’. Isso significa que a qualificação jurídica dada aos fatos narrados pelo autor não é essencial para o sucesso da ação. Tanto que o juiz pode conferir aos fatos qualificação jurídica diversa da atribuída pelo autor” (RSTJ 111/139). No mesmo sentido: RSTJ 140/587, RT 830/192 (cf. Theotonio Negrão e José Roberto F. Gouvêa, Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, pág. 424, nota 11 ao art. 282, Saraiva, 39ª ed., 2007).

E que “o pedido é aquilo que se pretende com a instauração da demanda e se extrai a partir de uma interpretação lógico-sistemática do afirmado na petição inicial, recolhendo todos os requerimentos feitos em seu corpo e não só aqueles constantes em capítulo especial ou sob a rubrica ‘Dos pedidos’ (STJ-4ª Turma, Resp 120.299-ES, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j . 25.6.98, não conheceram, v.u., DJU 21.9.98, p. 173). No mesmo sentido: STJ-lª T., REsp 511.670- AgRg, rel. Min. Franciulli Netto, j . 15.3.05, deram provimento, v.u, DJU 8.8.05, p. 240"), inocorrendo “modificação da ‘causa petendi’ se há compatibilidade do fato descrito com a nova qualificação jurídica ou com o novo enunciado legal” (STJ-4ª Turma, REsp 2.403-RS, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j . 28.8.90, não conheceram, v.u., DJU 24.9.90, p. 9.983)”, “não implicando julgamento ‘extra petita’ indicar o julgador, ao acolher o pedido, fundamento legal diverso do mencionado na inicial” (STJ-4ª T., Ag 8.016-MG-AgRg, rel. Min. Fontes de Alencar, j . 9.4.91, negaram provimento, v.u., DJU 27.5191, p. 6.969)” - apud Theotonio Negrão e José Roberto F. Gouvêa, ob. cit, págs. 425/426 e 430, notas 11 ao art. 282 e 1ª ao art. 286.

O direito do apelante em ser ressarcido do valor que despendeu por conta do mencionado acordo judicial está amparado nos arts. 186 e 927 do Novo Código Civil e 159 do Código Civil de 1916. Conforme a escritura pública de venda e compra de imóvel os apelados, então senhores e possuidores e outorgantes vendedores da parte ideal de 7,86269% do terreno descrito a fls. 24 e respectivo apartamento nº 901 e duas vagas de espaços garagens nºs 11 e 12 que fazem parte do Edifício Residencial Paissandu (fls. 24 v.), afirmaram que a parte ideal do terreno “se encontra livre e desembaraçada de quaisquer ônus reais ou fiscais, impostos, taxas ou semelhantes em atraso, não existindo, em trâmite, ações reais e pessoais reipersecutórias ou quaisquer outras que possam afetá-la,...” e que em relação ao apartamento 901 e garagens n.os 11 e 12 apresentaram a certidão de propriedade do imóvel, negando ônus e alienações (fls. 24 v.).

A referida escritura data de 25 de setembro de 1995, quando já tramitava perante o Condomínio Residencial Paissandu ação de indenização de perdas e danos proposta em 26 de junho de 1992 que acabou por originar o débito de R$6.328,11 incidente sobre o imóvel (fls. 20/22). Assim, considerando a data em que realizado o negócio jurídico e as afirmações dos réus sobre a inexistência de ações e ônus incidentes sobre o imóvel não há como isentá-los da responsabilidade pelo pagamento da dívida judicial que incidiu sobre o bem.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso, invertendo-se os ônus da sucumbência.

Fábio Quadros, Relator 

Alienação após a propositura da ação de execução – Fraude à execução configurada – Alienação capaz de reduzir os devedores à insolvência (TJRJ)



Apelação Cível n° 0019158-89.2007.8.19.0002 - Sexta Câmara Cível - Apelante: Antonio Teixeira - Apelado: Dallas Supermecados Ltda - Relator: Desembargador Nagib Slaibi

ACÓRDÃO

Direito Imobiliário. Embargos de terceiro oposto por adquirente de imóvel penhorado. Alienação após a propositura da ação executiva. Fraude à execução configurada. Declaração da ineficácia do ato de alienação reconhecida por sentença, determinando-se a manutenção da constrição sobre o bem. Recurso do adquirente aduzindo que os alienantes possuíam outros bens suficientes para saldar o débito na ocasião. Rejeição.

A alegação do apelante de que o ato de alienação não foi capaz de reduzir os alienantes à insolvência contrasta com a realidade dos autos, ante a inexistência de prova de que eram titulares de outros bens.

O imóvel objeto da demanda foi adquirido pelo apelante através de escritura pública de compra e venda lavrada em 06.09.2000, ao passo que a ação executiva foi ajuizada em 28.04.2000 e a citação efetivada em 25.05.2000, informação que já constava na certidão do Distribuidor. Desse modo, evidencia-se a ocorrência de fraude em execução.

“Sem dúvida, a hipótese de maior relevância, em matéria de fraude de execução, é a de alienação ou oneração praticada pelo devedor contra o qual corre demanda capaz de reduzi-lo à insolvência (art. 593, nº II).

A aplicação do dispositivo deve ser feita distinguindo-se a hipótese em que o bem alienado esteja ou não vinculado especificamente a execução (penhora, direito real ou medida cautelar).

Não havendo a prévia sujeição do objeto à execução, para configurar-se a fraude deverá o credor demonstrar o ‘eventus damni’, isto é, a insolvência do devedor decorrente da alienação ou oneração.

Esta decorrerá normalmente da inexistência de outros bens penhoráveis ou da insuficiência dos encontrados. Observe-se que a insolvência não deve decorrer obrigatoriamente da demanda pendente, mas sim do ato de disposição praticado pelo devedor. Não importa a natureza da ação em curso (pessoal ou real, de condenação ou de execução).

Se houver, por outro lado, vinculação do bem alienado ou onerado ao processo fraudado (como por exemplo: penhora, arresto ou sequestro), a caracterização da fraude de execução independe de qualquer outra prova. O gravame judicial acompanha o bem perseguindo-o no poder de quem quer que o detenha, mesmo que o alienante seja um devedor solvente.” (Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, 33ª Edição, vol. II, Ed Forense, 2002, pg.102).

Desprovimento do recurso.

Acordam os Desembargadores da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por unanimidade, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.

Integra-se ao presente o relatório de fls.106.

Debate-se sobre fraude à execução em alienação de imóvel efetivada após a citação do devedor alienante em execução, quando ainda inexistia inscrição da penhora no Cartório de Registro Imobiliário.

O imóvel objeto da demanda foi adquirido pelo apelante através de escritura pública de compra e venda lavrada em 06.09.2000 (fls. 16).

Assim, quando o imóvel foi adquirido pelo apelante, este já tinha conhecimento de que existia execução pendente de julgamento em face dos alienantes, tendo em vista que a ação executiva foi ajuizada em 28.04.2000 e a citação efetivada em 25.05.2000, informação que já constava na certidão do Distribuidor.

A alegação do apelante de que os alienantes possuíam outros bens capazes de garantir o pagamento do débito no valor de R$ 45.540,08 (quarenta e cinco mil, quinhentos reais e oito centavos) contrasta com a realidade dos autos, ante a inexistência de prova da propriedade de outros bens pelos alienantes.

Em que pese os executados da ação principal terem oferecido imóvel diverso à penhora (fls. 42 dos autos principais), não comprovaram a titularidade do bem nem seu valor de mercado, razão pela qual a nomeação foi recusada pelo credor, ora embargado.

Assim, conclui-se que o ato de alienação foi capaz de reduzir os devedores à insolvência, o que caracteriza fraude à execução. Sobre o tema, ensina Humberto Theodoro Júnior:

“Sem dúvida, a hipótese de maior relevância, em matéria de fraude de execução, é a de alienação ou oneração praticada pelo devedor contra o qual corre demanda capaz de reduzi-lo à insolvência (art. 593, nº II).

A aplicação do dispositivo deve ser feita distinguindo-se a hipótese em que o bem alienado esteja ou não vinculado especificamente a execução (penhora, direito real ou medida cautelar).

Não havendo a prévia sujeição do objeto à execução, para configurar-se a fraude deverá o credor demonstrar o ‘eventus damni’, isto é, a insolvência do devedor decorrente da alienação ou oneração. Esta decorrerá normalmente da inexistência de outros bens penhoráveis ou da insuficiência dos encontrados. Observe-se que a insolvência não deve decorrer obrigatoriamente da demanda pendente, mas sim do ato de disposição praticado pelo devedor. Não importa a natureza da ação em curso (pessoal ou real, de condenação ou de execução).

Se houver, por outro lado, vinculação do bem alienado ou onerado ao processo fraudado (como por exemplo: penhora, arresto ou sequestro), a caracterização da fraude de execução independe de qualquer outra prova. O gravame judicial acompanha o bem perseguindo-o no poder de quem quer que o detenha, mesmo que o alienante seja um devedor solvente.” (Curso de Direito Processual Civil, 33ª Edição, vol. II, Ed Forense, 2002, pg.102).

Confira-se jurisprudência desta Corte Estadual neste sentido:

0011186-40.2008.8.19.0000 (2008.002.11207) - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 1ª Ementa DES. CHERUBIN HELCIAS SCHWARTZ - Julgamento: 05/05/2008 - SEXTA CÂMARA CÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FRAUDE À EXECUÇÃO. IMÓVEL ALIENADO APÓS A PROPOSITURA DA AÇÃO DE EXECUÇÃO. INEXIGÊNCIA DE AÇÃO PRÓPRIA. A Fraude à execução não reclama ação própria porque traduzindo matéria de ordem pública torna ineficaz a alienação. Firmou-se a jurisprudência no sentido de que os requisitos essenciais para caracterização da fraude de execução são ação em curso com citação válida, e estado de insolvência do devedor em virtude da alienação.

Provimento do recurso com base no artigo 557, § 1º- A do CPC 0015160-56.2006.8.19.0000 (2006.002.09554) - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 1ª Ementa DES. CLAUDIO BRANDAO - Julgamento: 10/10/2006 - SEXTA CÂMARA CÍVEL. Decisão que decretou fraude à execução Requisitos atendidos: fraude e dano. Presunção da fraude: alienação feita posteriormente à citação em execução. Ausência de oferecimento de bens à penhora. Demais bens insuficientes para garantir a execução. Desprovimento do recurso Desse modo, mantém-se a declaração de ineficácia do ato de alienação e, por conseguinte, a restrição sobre o bem.

Ante tais considerações, o voto é no sentido de negar provimento ao recurso, mantendo-se integralmente a sentença.

Rio de Janeiro, 13 de outubro de 2010.

Desembargador Nagib Slaibi, Relator 

TRANSFERÊNCIA DE BENS DO DEVEDOR, MESMO ANTERIOR À DÍVIDA, PODE SER DESFEITA (STJ)


A transferência de bens do devedor para se prevenir de uma futura execução pode ser desfeita pela Justiça mesmo que tenha ocorrido antes da constituição da dívida, bastando que se evidencie a intenção de fraude contra o credor. Com essa tese, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a recurso especial interposto por um grupo de devedores de São Paulo e permitiu que a transferência de seus bens a terceiros seja declarada ineficaz.

Um dos autores da manobra era sócio de concessionária de veículos que, segundo informações do processo, cometeu várias irregularidades em contratos financeiros, em prejuízo do banco financiador. Descoberta a fraude, a empresa concordou em assinar documento de confissão de dívida e deu ao banco notas promissórias que não foram pagas.

Ainda segundo o processo, desde que as irregularidades começaram a ser apuradas, a família do sócio da empresa tratou de se desfazer dos bens que poderiam vir a ser penhorados em futura execução. Primeiro, o empresário e seus familiares próximos – comprometidos por aval com as notas promissórias – criaram duas empresas e transferiram seus imóveis a elas. Em seguida, cederam suas cotas societárias para empresas off-shore localizadas em um paraíso fiscal.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso no STJ, observou que, em princípio, uma transferência de bens só pode ser considerada fraude contra o credor e, assim, desfeita pela Justiça, quando ocorre após a constituição da dívida. Em alguns casos, porém, segundo ela, a interpretação literal da lei não é suficiente para coibir a fraude.

“O intelecto ardiloso intenta – criativo como é – inovar nas práticas ilegais e manobras utilizadas com o intuito de escusar-se do pagamento ao credor. Um desses expedientes é o desfazimento antecipado de bens, já antevendo, num futuro próximo, o surgimento de dívidas, com vistas a afastar o requisito da anterioridade do crédito”, afirmou a ministra em seu voto.

Os demais integrantes da Terceira Turma concordaram com a posição da relatora, no sentido de relativizar a exigência da anterioridade do crédito sempre que ficar demonstrada a existência de fraude predeterminada para lesar credores futuros. Em seu voto, Nancy Andrighi ressaltou que o STJ já havia adotado esse entendimento pelo menos uma vez, em 1992, em recurso relatado pelo ministro Cláudio Santos.

STJ Coordenadoria de Editoria e Imprensa
A notícia supra refere-se ao Resp 1092134

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Representante comercial terá de devolver adiantamentos não repassados a fornecedor inadimplente

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou decisão da Justiça do Ceará que havia aplicado o Código de Defesa do Consumidor (CDC) na solução de conflito entre uma clínica de tratamento de câncer e uma representante comercial, distribuidora de equipamentos de radioterapia. A clínica comprou um equipamento que acabou não sendo entregue, porque a empresa estrangeira que faria o recondicionamento da máquina faliu.

Seguindo jurisprudência consolidada do STJ, a Turma considerou que não há relação de consumo na compra de bens ou contratação de serviços que se destinem a incrementar uma atividade negocial, a menos que se verifique grande vulnerabilidade econômica ou técnica do adquirente – situação que os ministros não reconheceram no caso julgado.

Mesmo afastando a relação de consumo, a Turma acompanhou o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, para determinar que a Radiaton Representação e Comércio de Eletrônicos Ltda. devolva ao Centro Regional Integrado de Oncologia (Crio) os valores pagos como adiantamento e que não tenham sido transferidos à empresa estrangeira, além do valor recebido como comissão pelo negócio não concluído.

Acelerador linear de partículas

Em janeiro de 1999, a clínica de oncologia procurou a Radiaton com a intenção de adquirir um acelerador linear de partículas para tratar pacientes com câncer. O equipamento seria recondicionado pela JM Company, da qual a Radiaton era representante comercial no Brasil. O negócio foi fechado e o pagamento foi ajustado em US$ 320 mil, sendo US$ 200 mil adiantados e o restante na entrega do equipamento.

Do valor combinado como adiantamento, foram pagos US$ 160 mil à Radiaton e US$ 40 mil diretamente à empresa norte-americana. Porém, dois anos e três meses após o fechamento do negócio, a representante informou que a mercadoria não poderia ser entregue, pois a empresa norte-americana que recondicionaria o aparelho havia falido.

Por essa razão, sugeriu alternativas para viabilizar o adimplemento do contrato. Uma delas seria a aquisição de nova máquina para aproveitamento de peças, mas com custos mais elevados. A clínica não aceitou as propostas apresentadas e entrou com ação contra a representante comercial, pedindo restituição do pagamento e reparação de danos.

Em primeira instância, a Radiaton foi condenada a restituir o valor adiantado pela venda não finalizada do aparelho. O pedido de indenização por lucros cessantes, porém, foi negado.

As partes recorreram, mas o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) manteve a sentença de primeiro grau. Inconformada, a Radiaton recorreu ao STJ sustentando violação dos artigos 2° e 17º do CDC (Lei 8.078/90), pois ao comprar o aparelho médico para tratamento de pessoas com câncer em sua clínica, a Crio não poderia ser considerada consumidora por equiparação.

Empresas de porte

Quanto à aplicação do CDC ao caso, a ministra Nancy Andrighi destacou que as duas Turmas do STJ especializadas em direito privado estão adotando o entendimento firmado na Segunda Seção, no sentido de que “a aquisição de bens ou a utilização de serviços, por pessoa natural ou jurídica, com o escopo de implementar ou incrementar a sua atividade negocial, não se reputa como relação de consumo e, sim, como atividade de consumo intermediária”.

Porém, observou a relatora, esse entendimento tem sido abrandado “em situações nas quais fique evidenciada a existência de clara vulnerabilidade da pessoa física ou jurídica adquirente de produto ou serviço, mesmo que, do ponto de vista técnico, ela não possa ser considerada destinatária final”.

Como exemplos, citou o caso da costureira que compra máquina de bordar para utilizar em seu ofício e do caminhoneiro que adquire veículo para trabalhar, e até mesmo do pequeno agricultor que compra sementes.

Para a ministra, no entanto, as informações trazidas pelo processo mostram que tanto a clínica quanto a representante comercial são empresas de porte considerável, com atuação destacada em seus segmentos de mercado, o que afasta a hipótese de vulnerabilidade econômica.

“Do ponto de vista técnico, a hipossuficiência igualmente não se verifica. Ambas as empresas atuam no mercado de tratamento do câncer, tendo condições de conhecer com profundidade os produtos utilizados nessa atividade”, acrescentou a ministra.

Responsabilidade do representante

No recurso especial, a Radiaton alegou também que o TJCE, ao considerá-la responsável pelo negócio não concluído, teria violado o artigo 1º da Lei 4.886/65, que regula a representação comercial. Sobre esse ponto, a relatora afirmou que o negócio foi fechado antes da vigência do novo Código Civil, e portanto o caso deve ser resolvido exclusivamente à luz da Lei 4.886.

Com base nessa legislação, Nancy Andrighi afirmou que “o representante comercial age por conta e risco do representado, não figurando, pessoalmente, como vendedor nos negócios que intermedeia”. Assim, segundo a relatora, “não se pode imputar a ele a responsabilidade pela não conclusão da venda decorrente da falência da sociedade a quem representa”.

De acordo com a ministra, ainda que a Radiaton não seja a vendedora da mercadoria oferecida pela empresa norte-americana, ela presta um serviço pelo qual é devidamente remunerada. A exemplo do que faz um corretor, aproxima as partes e intermedeia a venda, fazendo jus à comissão devida apenas quando há conclusão do negócio.

“A entrega da coisa, portanto, que não foi possível por fato alheio, tanto à vontade da Crio como da Radiaton, deve produzir os respectivos efeitos para ambas as partes”, acrescentou.

Devolução

Por essa razão, não sendo possível a devolução total do valor pago pela clínica oncológica pela aquisição da máquina não entregue pela sociedade estrangeira falida, é possível determinar que a representação comercial devolva sua comissão, já que o negócio não foi realizado, e restitua, ainda, o montante que não foi repassado à empresa falida.

“Vale dizer: todo o montante do preço pago que tiver integrado o patrimônio da Radiaton deve ser devolvido”, concluiu a ministra, esclarecendo que eventuais remessas à firma estrangeira devem ser provadas pelo registro de transferência bancária no Banco Central ou por anotações legalmente lançadas na contabilidade.

Quanto aos valores que tenham sido efetivamente entregues à JM Company, a ministra disse que só poderão ser recuperados com a habilitação da credora na falência da empresa ou por outra via admitida na legislação estrangeira.